domingo, 1 de fevereiro de 2009

Depois do parto (4)- FIM



Sexualidade(B)


Amigos, termino hoje a série sobre o pós parto.É verdade que não poderia, apenas em 4 posts, abordar tudo o que tem a ver com este período, dai que poderei isoladamente retomar o assunto.Termino abordando o mesmo tema com que iniciei, a sexualidade.

Na primeira postagem, discutimos factores que condicionam o sexo depois do parto, com maior incidência para a dificuldade que as mães têm em retomar a vida sexual, hoje iremos discutir a ausência de sexo derivada por motivos culturais ou tradicionais para alguns.

Ku Hissa

“Hiii não posso/ não podes tocar na criança porque estou/estás quente”! Ou o papá volta para casa todo animado para levar o bebé ao colo e logo é interpelado: "Estás em condições??" Quem nunca ouviu/viveu isso?

Depois do parto existe uma série de rituais/práticas culturais que os pais, os familiares próximos, e não só, devem seguir. Esses rituais variam de acordo com o contexto social.O ku hissa –estar quente- , não sei se a tradução mais feliz seria essa, é uma dentre as várias práticas culturias que marcam o período pós-parto. Este ritual, nalgumas regiões, consite em até a queda do umbigo do recém nascido só pode tocá-lo quem se tiver abstido de relações sexuais por pelo menos dois dias[1], caso contrário, se a criança for tocada por alguém “quente” terá problemas sérios de saúde e poderá morrer.

Mais ou menos podemos dizer que se trata de uma prática cultural que interdita o contacto com o bebé após um acto sexual.Evitar o ku hissa é um processo que pode significar, nalguns casos, proibição ou abstinência temporária da actividade sexual, pelos pais, familiares próximos e não só.Esta interdição ou abstinência visa afastar os "perigos", as impurezas culturalmente construidas, de grupo para grupo, advindas da actividade sexual, que se acredita afectariam a saúde do recém nascido quando não evitados.Portanto, esta fase representa um momento crucial e desafia os visados à uma busca constante da purificação, que no caso seria o não estar “quente ” de modo a poderem tocar no bebé.

Há no entanto, quem extenda o "dry season" por cerca de 3 meses, caso dos praticantes da seita religiosa zione, que só retomam a actividade sexual depois de uma cerimónia denomidada “nhimbissa nwana” (titrar a criança de casa)[2].Outros ainda, abstêm-se se sexo para evitar que a mulher engravide enquanto amamenta, pois para eles, o leite de peito será contaminado pelo sémen e por sua vez, poderá enfraquecer a criança podendo crescer com certas anomalias -ku djambela nwana.

Pois é, muitos de nós seguimos estes rituais simplesmente porque os nossos pais o faziam, estes por sua vez apenas repetiam o que os seus pais faziam assim sucessivamente, ou então porque o vizinho, amigo, tio disse, havendo até disparidades quer em relação ao signficado/significação da prática em si, quer em relação ao período certo em que os casais, e não só, devem esperar até retomarem a vida sexual, variando em função de como cada família “recebeu” a informação.O problema porém é que nunca questionamos, ou se o fazemos a resposta que recebemos é que faz parte da tradição -swa yila e pronto!

Será que um ritual se torna válido apenas porque faz parte da tradição? Qual é na verdade o valor/significação das praticas que seguimos ao longo tempos?Qual é a sua finalidade?Quem atesta o que é genuinamente tradicional e que por isso deve ser seguido?E o que acontece com a ‘tradição’ ao longo do tempo?Será que vê-mo la hoje como os nossos pais e os pais dos nossos pais a viam?Temos nós coragem suficiente de nos fazermos estas perguntas ou tudo já está culturalmente explicado por isso não é preciso perguntar mais nada?

Atenção, não estou a dizer que sou contra as práticas culturais ou ditas tradições que fazem parte da identidade social dos grupos, acho que elas são importantes e devem/podem ser seguidas, aliás se foram criadas foi porque houve algum motivo para tal, porém, julgo ser importante percebermos porque razão agimos como agimos.O facto de algumas das práticas culturais terem condicionado a visão do mundo numa certa perspectiva nos tempos idos, não quer dizer que assim seja nos dias de hoje, os contextos mudam, o conhecimento desenvolve-se, a cultura é dinâmica, obviamente que estas práticas culturais também o são, logo há que procurarmos perceber se o valor simbólico das mesmas bem como a sua essência continuam válidos nos tempos que correm ou não.

Voltando ao ku hissa alguma vez nos perguntamos como as parteiras, os médicos ou as babás cuja “ferramenta de trabalho” são recém nascidos fazem a “gestão” da sua vida sexual em função do ku hissa?Porque será que para este grupo de profissionais já não nos incomoda tanto assim o estar ou não “quente”?Porque será que para este grupo de profissionais não se aplica esta interdição?E o ku djambela nwana é (i)real?É verdade que para uma mãe que amamenta a probailidade de engravidar é reduzida, entretanto, caso engravide, ela pode continuar a amamentar.

Como se pode ver há uma necessidade de despirmos a característica dogmática da "tradição" , modernizando-a, e questionarmos se ela se enquadra no contexto actual pois, a meu ver em alguns casos ela, entra em conflito com a nossa forma de ser e estar, nos dias de hoje, e com os avanços trazidos por outras formas de conhecimento que também são tradionais mas ao mesmo tempo dinâmicas.

Bem, não posso deiaxar de dizer que o ku hissa, o ku djambela e os demais rituais têm o seu mérito pois, fazem com que se preste maior atenção ao recém nascido, evitam que os papás procurem se “satisfazer" lá fora, também evitam as gravidezes seguidas, principalmente nas zonas rurais onde quase que não se usam métodos contraceptivos ditos modernos propiciados via unidades sanitárias mas, por outro lado, transformam as relações sociais há vários níveis, e acabam "desordenando" a vida sexual do casal, principalmente pelo facto de existirem disparidades em relação ao prazo do período “seco”, isto pode fazer com que retorno a normalidade da vida sexual pelo casal leve muito mais tempo, com todas as consequências que possam daí advir....

[1] JUNOD, H. Usos e Costumes dos Bantu, Arquivo Histórico de Moçambique, 1996, Pag 66,
[2] LOFORTE, Ana Maria, Género e Poder Entre os Tsonga de Moçambique, Promédia, Colecçao Identidades, Pag 214.

9 comentários:

Unknown disse...

Yndongah, gostaria de saber como é que foi o encontro pela ocasião do nascimento da Ximbita? infelizmente andei impossibilitado!

por acaso haverá um período (espaço de tempo) que normalmente uma mulher pode retomar a actividade sexual ou depende do se sentir bem enrelação às dores pos parto? haverá algum perigo em amamentar grávida?

Arelação que se estabelece da enferméira é como "a tuberculose por falta de rituais de prevênção"! porque é que os coveiros e outros trabalhadores das morgues não passam o mesmo se nem são envolvidos nas cerimónias!

Não é incomum afirmar que a efirmeira que assistiu o parto da fulana estava quente é por isso que se complica o tratamento do ombigo do bebe! para dizer que são apanhadas por esta Yndongah, embora eu pessoalmente não vejo como é que se estabelece essa ligação. BJs

Anónimo disse...

Yndongah,parabens pelo texto levanta muitas questões, o que me parece bom para, iniciarmos uma discussão, que espero, construtiva.Há muito por dizer em torno do tema que apresentas, mas com o meu contribuito gostaria de referir que o ku hissa, ku hisseta ( que te desafio um dia desses a escreves algo sobre isto), ku djambela, entre outros, mais do que “tradição” são uma tradução do modo de vida, de uma parte, da população do nosso país; ku hissa, em particular, faz parte dos mecanismos de controlo/regulação da sexualidade, assim a sua perpetuação, diga-se dinâmica, até aos dias de hoje, penso eu que, se enquandra nesta perspectiva.O ‘questionamento’ da “tradição”, me parece que, é mais fácil para quem pode fazer um distanciamento histórico em relação a ela porque para os sujeitos que a vivenciam como tradução das suas vidas, embora não impossível, não é tão simples assim. Por essa razão para quem está por dentro deuma determinada realidade social as crenças, as práticas cultuarais, já agora, as “tradições” que fazem parte do seu imaginário social têm/fazem sempre sentido não são nunca, o que para alguns é, aberração pelo que este olhar, vamos assim dizer, pouco ‘dogmático’ da ‘tradição’, como sugeres, é um caminho possível por percorrer, tendo em conta o que disse anteriormente, ainda que esse caminho seja longo, sinuoso e com um ‘porto de chegada’ imprevisível...
Abraços, Aurélio Miambo

Yndongah disse...

Amigo Chacate,
A festa da Ximbi foi muito boa, é uma pena não ter podido ir.
Vejo que maior parte das suas inquietações coincidem com as minhas, entretanto devo lhe dizer que quanto ao periodoo de resguardo não basta apenas se recuperer das dores do parto importa tambem procurar aconselhamento medico.
Abraços

Yndongah disse...

Amigo Miambo,
Muito obrigado pelo teu comentario, tal como tu espero que a discussao seja contrutiva, e o teu contributo ja da mostras disso. Ku hisseta?! apesar de ser algo totalmente novo para mim, vou ceitar o desafio.
Compreendo que o ku hissa faz parte de mecanismos para "disciplinar" a sexualidade contudo vejo que a sua tranasmissão de geração em geração é feita de forma estatica e inalterada, entrando em conflito com as situacoes novas que foram surgindo ao longo do tempo. Provavelmente o ideial seria reprocessar os rituais sem perder de vista a sua utilidade social, e como tu mesmo dizes o caminho é longo...
Muito obrigado e volte sempre

Anónimo disse...

Ora bem vamos dialogar um pouquinho mais.Eu até percebo a tua inquietação em torno do tema, mas deixa-me dizer-te que quando se trata de processos sociais, práticas culturais as mudancas apesar de existeirem, por vezes, nao nos damos conta disso porque o ritmo a que vao nao é tao rápido assim, nalguns casos.A partir do momento que dizemos de ‘geração para geração’ implicitamnete estamos a dizer que algo muda/mudou logo as praticas cultuarais nesta transição tambem sofrem algumas alteracoes, mas como disse nem sempre as percebemos, mas elas estao lá. Veja por exemplo que tipo de bebidas se usavam ontem no kupatha e as que se usam hoje, o lobolo nos tempos dos nossos pais e nos dias de hoje, a primeira vista parece tudo inalterado, mas nao é bem assim, se sao aspectos que fazem parte da cultura e dizemos que esta é dinamica consequentemente que estas praticas de que falas tambem sao dinamicas algo muda, mudou e vai mudar a medida que tempo passa ainda que custe um pouco temos que ter a coragem de aceitar que a ‘tradição’ é ‘moderna’ em certos aspectos.

Abracos, Aurelio Miambo

Unknown disse...

Aurelio Miambo, devo concordar consigo, defacto adinâmica cultural por vezes escapa à nossa atenção não que ela não ocorra (ver o meu 1º comentário último parágrafo).

Portanto, Yndongah é um pouco radical considerar essas práticas estáticas! Não que alguns aspectos não exijam (radicalismo) mas mudaça há.Porém, espero não sair fora do assunto mas gostaria de salientar que estando de acordo na "dinâmica culturar" a questão seria como é que se processa? porque na maioria das vezes há excessos!- Há dias, vi uma publicidade na TV que se referia a uma família que não aceitava lobolo sem mobília (sofas) da yola! Isto para mim é uma verdadeira aberração!... - Continuarmos a dizermos que se a nossa filha ir viver com o seu homem sem que tenha havido lobolo antes, se ela morrer não haverá funeral antes do lobolo! Para mim é um aspecto a modernizar só para citar alguns exemplos. Há coisas bem aproveitáveis na nossa cultura. abraços.

Yndongah disse...

Amigos,
Acho que está havendo um mal entendido entre nós, e até receio que estamos todos dizer a mesma coisa mas de forma diferente.
O exemplo do lobolo por vós avançado mostra exactamente aquilo que reclamo em relação ao ku hissa.

Hoje, o “uputso” com o qual foi lobolada a minha mãe foi substituido pelo “porto”, contudo, o valor simbólico do ritual permanece o mesmo, há aspectos no lobolo que não se alteram com a dinâmica da vida, por exemplo antes os homens é que abordavam as mulheres para lhes pedirem em namoro, hoje sucede o contrário e mesmo assim o “conquistado” é quem paga aos pais da noiva, mesmo considerando os casos em que a noiva é quem arca com as despesas, nunca é ela quem lobola o homem mas sim o contrário.

Portanto, o tempo passa e o ku hissa permanece estáctico, sabemos que antes era possível controlar a sexualidade das pessoas em volta do recém nascido porque o parto era realizado em casa pelas “massungukatis” e a mãe era colocada numa cabana longe dos demais e só entrava naquela cabana quem estivesse “frio”, hoje, as coisas são diferentes há muitos intervenientes no processo de nascimento de uma criança, o que torna o argumento do ku hissa frágil e até mesmo aberrante.

Ximbitane disse...

Yndoh, obrigada por abordares esta maka, e que maka, eix! Miambo e Chacate estao cobertos de razao, as coisas nao estao estaticas nao. As coisas, sublinhe-se.

Para mim, e muitas outras, tu (Yndoh) incluida, no que se refere concretamente ao assunto em questao (kuhissa), as coisas nao sao tao dinamicas assim, apenas mudou-se o espaco.

Se mudam como o Miambo diz, quem sou eu para o duvidar. Mas hoje, em conversa franca com minha avo, percebi que as coisas nao sao como pensamos, ou como ela dizia, variam de casa para casa. Se para uns muda,para muitos outros ainda nao é assim.

Essa historia de passar de geracao em geracao, muitas vezes é conversa para boi dormir, no meu ponto de vista. Acho portanto que deviamos delimitar as fronteiras de onde se está acelerado ou nao... Conjunturas pessoais e... Atencao, falo do kuhissa e o que gira em torno da questao. No lobolo ha tanta mudanca, espanta-me é que os compadres nao comecem a fazer transferencias bancarias do dote...


Outro assunto que me faz marcar presenca aqui é quanto ao "tempo de espera" apos o parto. Aqui na town, nos manipulamo-lo a nosso bel prazer com o planeamento familiar, nao esperamos que a natureza desempenhe o seu papel. Mas o mesmo nao sucede na zona periferica da mesma town, para nao falar de "lá em casa"...

Anónimo disse...

Minha amiga querida, Como sabes, tive 4 filhos, fui sempre acompanhada ao longo das minhas gravidezes por ginecologistas particulares, de origem judia, que sempre insistiam no seguinte: abstinencia sexual 4 semanas antes da data prevista do parto e um check-up ginecologico 6 semanas apos o nascimento do bebe. No mesmo, a mulher é cuidadosamente examinada (utero, peitos, verificar se tem qualquer tipo de infeccao urinaria ou problemas de prisao de ventre/hemorroidas, se os pontos ou ferida ficaram bem sarados, se ainda sofre de qualquer tipo de dor na zona do perineo ou qualquer tipo de dor, seja na coluna ou dores menstruais, se tem varizes que a estejam incomodando, se ja teve o periodo e se o mesmo e normal, etc); se estiver tudo ok, em geral aconselham qual o metodo anticonceptivo a utilizar e dao-nos 'luz verde' para recomecar a nossa vida sexual. De salientar que os ginecologistas que me seguiram, obrigavam o marido ou pai da crianca a estar presente ao parto, telefonavam mesmo e diziam que estavam a sua espera, e aconselhavam a estar presente ao check-up apos as 6 semanas. Aqui ninguem podia fugir! Um abraco muito saudoso da Gloria